sábado, 6 de maio de 2017

Viajante à Luz da Lua

Às voltas por Itália...


Em primeiro lugar, quero agradecer à editora Guerra e Paz pelo gentil envio de um exemplar do livro Viajante à Luz da Lua, de Antal Szerb, para crítica e divulgação aqui no blogue.


Antal Szerb foi um escritor húngaro nascido no início do século XX, em 1901. Desde cedo apresentou interesse e talento para as letras, tendo, rapidamente, progredindo na carreira de escritor, tradutor e historiador de literatura. Era, posso afirmar, uma mente brilhante: concluiu o doutoramento com apenas 23 anos.

Tenho pena de não poder dizer que ele tenha tido uma vida feliz... Apesar do seu sucesso, perdeu o cargo como professor na Universidade de Szeged devido a leis anti-semitas e, durante a Segunda Guerra Mundial, foi deportado para um campo de concentração, onde morreu em 1945, com apenas 44 anos. Mais um génio que se perdeu devido à maldade humana. Nem consigo imaginar que outras obras-primas poderia ter escrito se a sua vida não tivesse sido tão efémera.

Viajante à Luz da Lua, publicado em 1937, retrata  a história de Mihály, um homem proveniente de uma família burguesa de Budapeste. Este encontra-se, com a sua mulher, em Itália, em lua-de-mel. Parece ser o local perfeito para celebrar o seu casamento, até que os fantasmas do passado retornam para o assombrar.

Sentados numa esplanada, Mihály e Erzsi, a sua mulher, veem aproximar-se um homem intrigante, que acaba por se revelar como um desses fantasmas do passado. Chamava-se János Szepetneki, fazia parte do grupo de amigos da adolescência de Mihály e torna-se uma presença constante nesta obra.

É a partir desse momento que as coisas começam a descarrilar. O passado assombra Mihály de uma maneira notória, sugando-o para um "vórtice" de memórias e sensações aparentemente esquecidas. Tem de contar o seu passado a Erzsi, mas não parece ter coragem para contar tudo. Foi um adolescente com uma mente perturbada e, agora, não sabe como contar à sua mulher o porquê de tanto mistério.

Carregado com tantos segredos, culpa e medos, Mihály desce do comboio onde seguia com Erzsi afirmando que ia apenas tomar café. Podia estar convencido disso, mas, no fundo, penso que quereria um escape à vida de recém-casado. Apanha o comboio, no entanto, não encontra a sua mulher. Tinha-se atrasado e apanhou o comboio seguinte, não sabendo sequer qual o seu destino.

Começa, assim, a grande deambulação desta personagem pelas paisagens mais conhecidas e outras totalmente desconhecidas de Itália. O inicio de uma fase errante da sua vida, talvez um abrir de olhos, talvez não...
Penso que devo realçar a clareza e a objetividade da linguagem nesta obra. Szerb não deixa espaço para dúvidas e, mesmo com uma linguagem inequívoca, não perde a simplicidade. Este é, por isso, um livro fácil de ler e, ao mesmo tempo, recheado de sentimentos contraditórios. 
Uma das facetas mais surpreendentes deste livro é a profundidade dada às personagens. São pessoas reais, mas também completamente abertas ao leitor, apesar de fechadas umas para as outras. Conseguimos entrar nas suas mentes, sentir o que sentem, ver o que veem...
Essas mesmas personagens são complexas, encontram-se num turbilhão de emoções e curiosidades. Cada uma com uma faceta diferente, conseguem fazer um todo, um indivíduo completo enquanto grupo. Não sei se me consigo expressar claramente... Apenas quem lê o livro consegue perceber o que vai dentro da cabeça destas "pessoazinhas" complicadas.


Por vezes, senti um pouco de estagnação. Principalmente quando após uma pausa retomava a leitura. Eram necessárias algumas páginas para que me sentisse outra vez embrenhada na leitura, mas, quando isso acontecia, parecia que nunca poderia parar de ler. Era realmente muito cativante.

Custou-me um pouco a perceber algumas atitudes de Mihály. Como, por exemplo, não avisar a mulher de que se tinha enganado no comboio e que estava bem. Senti alguma imaturidade na personagem que tinha, por vezes, atitudes infantis. Ele próprio reconhece que se manteve estagnado na adolescência e que cada pessoa para exatamente na melhor fase da sua vida.

Chocou-me, pela positiva, a capacidade do autor de criar uma teia de acontecimentos que ligam todas as personagens: as do passado e as do presente. Mesmo infinitamente afastados de Budapeste, as personagens cruzam-se de uma maneira extraordinária, sem nunca conceder um caráter forçado à ação.

Apesar de nunca aparecer, Tamás Ulpius é uma personagem central, talvez o motor que fez desenrolar esta história. Foi ele que, em primeiro lugar, juntou o "grupo" e que, no fim, o extinguiu. É, sem dúvida, a personagem que mais me intrigou, uma vez que é a menos compreendida. Temos acesso a todos os seus atos, mas não ao seu pensamento, à sua personalidade, às verdadeiras razões que o movem. Ainda hoje, após ter terminado o livro penso em Tamás e nos seus objetivos irreverentes.

Emfim, é, simplesmente, uma história de pôr os cabelos em pé, de tentar compreender as personagens e os seus devaneios. Uma paragem obrigatória a todos os amantes de romances trágico-cómicos, bem como ao público em geral. Uma leitura a não perder.