Verdades intemporais...
Susanna Tamaro é uma escritora de origem italiana, autora de diversas obras, entre elas a "vítima" de hoje da rubrica Um Tiro no Escuro!: Um País para lá do Azul do Céu.
A primeira edição deste livro, em Portugal, remonta a 2003. Já passaram catorze anos e, mesmo assim, ainda contém muita verdade. É quase intemporal, infelizmente.
Esta obra inclui quatro pequenas narrativas ligadas à emigração ilegal, xenofobia, descriminação e, acima de tudo, sofrimento daqueles que são tomados como os mais fracos. Essas narrativas chamam-se E eu ralado!..., O que diz o vento?, Salvacion e Do Céu, aparecendo no livro por esta ordem.
E eu ralado!... conta a história de Rossella, uma jovem de dezanove anos que "estudara numa missão religiosa" numa das ilhas de Cabo Verde. Encontramos esta rapariga em Itália, a trabalhar para o professor Baraldi, um homem de oitenta anos afetado pela idade. Este ainda fala com a sua antiga criada, apesar de esta já ter falecido. Rossella, crente como era, acredita que a casa está assobrada pelo espírito de Arnilda. A jovem tem de superar o caráter difícil do seu patrão, que não a considerava sequer um ser humano, bem como o seu medo de viver na mesma casa que Arnilda.
O que diz o vento? é, se calhar, o mais atual das narrativas deste livro. Retrata a jornada de uma mãe viúva e do seu filho, que fogem do seu país. Usaram todo o seu dinheiro para chegar a Itália, passando por condições miseráveis e, apesar de sabermos que o amor de mãe é incondicional, será Nabila capaz de cuidar de Raj, o seu menino, longe de casa e sem o seu marido para os proteger?
Na terceira narrativa encontramos Salvacion, uma jovem de Jordan Ilo Ilo, que trabalhava como criada em casa de "doutores". A patroa, apesar de austera era simpática, no entanto, o seu marido não respeitava Salvacion, tornando-se o assédio uma situação frequente. Tentando encontrar conforto em deus, a jovem frequenta uma igreja local, no entanto, sentia-se presa, sem salvação.
Do Céu fala das dificuldades de um casal ao adotar Arik, um menino de África. O rapaz apenas queria voltar para o lugar onde cresceu, fazia tudo o que podia, no entanto, a inocência de ser criança não o deixa perceber que nunca poderá voltar. Os seus pais não o respeitam, objetificam-no e tratam-no como um animal.
Em primeiro lugar, não gostei muito do facto de o livro estar divido em várias narrativas. Pode ser uma questão pessoal, mas não considerei que as histórias estivessem bem aprofundadas. Talvez a intenção da autora fosse realçar apenas o momento principal da ação, mas sinto que falta contexto.
A primeira história foi a mais leviana, penso eu. Apesar de abordar temas com a xenofobia, Rossella é das personagens deste livro que menos sofre. É vítima das circunstâncias e da ignorância.
O que diz o vento?, como já referi, é a mais atual das histórias. Não que as outras não sejam atuais, mas este tipo de situações tem mais destaque hoje em dia. Num mundo cheio de frieza e crueldade, assistimos ao amor incondicional de uma mãe que faz tudo pelo filho, assombrada pela dúvida e o arrependimento. Ao contrário das outras narrativas, nesta havia contextualização, talvez por reconhecermos tanta verdade nas palavras...
Em Salvacion é abordado um tema também atual, mas intemporal. Apesar de, neste caso, se tratar de uma jovem migrante, o assédio que Salvacion sofreu ocorre, certamente, com muitas jovens. É um abrir de olhos para o que, por vezes, está à nossa frente e não conseguimos ver, aquele sinal, um pedido de ajuda...
Do Céu foi a narrativa desta obra que mais me revoltou. Apesar de a ação ser muito rebuscada, sinto que, num mundo de ignorância e crueldade poderia ocorrer. A "mãe" de Arik chega ao ponto de o amarrar ao lado de um cão para ele ficar na rua enquanto ela faz as compras. Afinal, em que mundo vivemos?
Relativamente à linguagem, o livro lê-se muito bem. A escrita é fluida, cuidada e, ao mesmo tempo simples. Temos os pontos de vista das várias personagens em cada narrativa, o que nos faz compreender melhor as suas ações.
No entanto, não foi um livro que tenha apreciado, talvez pela dureza do que lá é retratado. Não sei, não é um daqueles livros que, apesar de tristes e reais, me comovam. É mais revoltante que comovente, mas talvez seja essa a intenção da autora, abrir-nos os olhos para o mundo em que vivemos e tentar mudá-lo, torná-lo no sítio melhor.