segunda-feira, 20 de março de 2017

O Ingénuo

Afinal, não é assim tão antigo...

Voltaire, cujo nome era, na verdade, François Marie Arouet foi um escritor e filósofo francês do século XVIII, tornando-se uma das faces do Iluminismo. Defendeu sempre os seus ideais, mesmo vivendo num período de grande opressão, tendo, inclusive, sido exilado.

Este autor desafiou os conceitos religiosos da época, opondo-se à intolerância e combatendo o absolutismo. Para esse efeito apoiou-se na escrita, criando grandes obras satíricas que denunciavam a injustiça social.
O Ingénuo retrata a uma história do mais puro e simples amor: aquele que faz tudo pelo que ama, fazendo frente a obstáculos inimagináveis.

Um dia, caminhando calmamente pela praia de Notre-Dame de la Montagne, o vigário de Kerkabon, prior dessa terra, e a sua irmã, a menina de Kerkabon, avistaram uma pequena embarcação inglesa. Daí saiu um belo jovem, que se apresentou como sendo proveniente da Hurónia, um hurão de nome Ingénuo. Este foi acolhido no priorado e bem recebido devido à curiosidade que todos tinham pela sua terra natal.

Após uma série de acontecimentos marcantes, o prior e a sua irmã descobrem que este hurão é, na realidade, filho do seu irmão que tinha partido e nunca regressara. Assim, sem descendência, o prior adquire, como missão pessoal, converter o hurão ao cristianismo e torná-lo seu sucessor no priorado.

Uma jovem, a menina de Saint-Yves, convence-o a ser batizado e torna-se sua madrinha. Tudo muda quando estes dois se apaixonam loucamente. Essa paixão era, no entanto, proibida: ela era sua madrinha. 

Depois de um ataque de uma frota inglesa, no qual Ingénuo defende, arriscando a sua vida, a província de Notre-Dame de la Montagne, este viaja até Versalhes para falar com o rei e pedir permissão para desposar a menina Saint-Yves que, entretanto, tinha sido confinada num convento. Aí, por não estar acostumado aos hábitos e cultura franceses e ser defensor de uma vida livre, é preso segundo a acusação de cooperar com HuguenotesA ordem de prisão nada foi mais do que cartas de um alto membro da sociedade. Nada de provas, nada de julgamento, apenas uma prisão injusta.

Agora, com Ingénuo cativo, a menina Saint-Yves luta pelo homem que ama, encontrando imensos obstáculos pelo caminho e lutando contra tudo e todos. Saint-Yves vê-se confrontada com o pior da humanidade, sendo obrigada a fazer o inimaginável por Ingénuo.


Este livro é, sem dúvida, tocante. Demonstra uma balança entre o bem e o mal que não se encontra equilibrada. Os corruptos ocupam posições de poder e veem-se na possibilidade de fazerem o que quiserem, enquanto os nobres e valentes são sucumbidos às suas ordens.

Ao longo da obra são criticadas diversas classes sociais: o médico que confunde os doentes e os trata da mesma maneira, não ligando à natureza da sua doença; os altos funcionários do governo, que utilizam a sua posição para abusar do poder... Podemos ainda contar com religiosos que moldam a sua fé de modo a encaixar-se na sociedade em que se encontram, tornando-se vis e desmoralizados. O Ingénuo remete, assim, para problemas que ainda prevalecem atualmente.

Apesar de este ser um livro muito antigo, permanece atual, contando com uma linguagem que achei surpreendentemente simples e clara, mantendo sempre traços de escrita arcaica.

Encontro-me feliz pela rubrica "Um Tiro no Escuro!" me ter inspirado a ler esta obra que, de outra maneira nunca teria considerado sequer retirar da estante. Recomendo vivamente e prometo que não se arrependerão de a ler.